
Arquitetura curatorial
Há uma longa tradição por detrás de pensar a arte a partir da literatura. Vários autores através dos séculos teorizaram a arte levando-a em conta, voltando-se para ela. Sartre, por exemplo, no “Que é Literatura?”, embora tivesse como meta incidir sobre o engajamento da arte na práxis política, também não se furtou a constituí-la dotada de protagonismo sobre as demais (a música, as artes plásticas e mesmo a poesia). É significativo também que os conceitos usados para adorná-la em discussões teóricas trouxessem à tona escolhas linguísticas muito próximas à história.
O caráter de narrativa tão discutido por teóricos também não passa desapercebido nessa apreensão, vemos que ainda há na urdidura das redes curatoriais traços de discursividade. De Hegel ao pensamento genealógico, alteridades, camadas, alcançam rastros e vestígios de sedimentação histórica que devem ser removidos e descobertos numa “nova” arquitetura, menos filosófica e mais científica, de campo expandido e crítica política.

28ª Bienal de São Paulo - obra do belga Carsten Höller. Os escorregadores gigantes – que já foram instalados também na Turbine Hall, da Tate Modern, em Londres – funcionam, segundo o artista, como uma alternativa aos elevadores e às escadas rolantes.
Ainda há um traço moderno na arquitetura curatorial quando pensa o texto como um pilar firme do edifício que deve erigir. Pensar um texto como uma arquitetura (Kant) ainda nos parece dizer muito sobre como iremos estruturar as escolhas curatoriais, das obras aos artistas, do entorno do museu ou espaço de arte ao mundo, do que a forma ou o lugar no qual os trabalhos de arte serão mostrados. A intenção de colocar em xeque a maneira como a curadoria se estrutura e no que se alicerça é o motiva a compreensão.
Uma forma de sair desses vários impasses é logo descrever que há uma pluralidade, não há uma só Arte e nem a Arte e sim as Artes, ou mesmo há a particularidade que incide sobre o universal.

Roman Signer
É forçosamente imperativo descobrir que a forma de lidar ainda guarda traços históricos bem delineados. Contradições. O corpo ainda mantém marcas das paixões de outra cama. Nisso, o circuito de arte traz vivamente, quem interessa, quem deve ser considerado, o que é arte…
E como a estrutura curatorial ainda se parece muito mais com uma arquitetura do que uma escultura (pressionar os dedos por sob a matéria), muito mais uma maquete do que um molde maleável, é necessário falar, desfazer, combater. A rigidez é palpável mesmo na fina camada de pó que não mais adere à mesa de cabeceira, traço do contemporâneo do existir das coisas no mundo.
ALINE REIS | março 2021

