Estilhaços

Numa ação que fiz de quebrar o vidro do quadro ficou uma seta em direção a desconstruir algumas pontes da arte. O gesto ainda me rende frutos mais de dez anos depois. Constituir como artista leva muito tempo, muitas aulas com outros artistas, processos abordados, erros, caminhos que não levam a nada, perseguições implacáveis à poética. Todas essas experiências são repertórios e ficam como dicas do que realmente você quer fazer, no jargão psi, desejos que não são nomeados.

Aline Reis | colagem Eidos vermelho Papel, tinta, caneta hidrográfica 42 X 29,7 cm 2010

            Quebrar intencionalmente tem um som que se escuta atentamente. Reverbera uma vontade de continuar a fazer coisas que não sejam no plano do determinável. A começar por tentar fugir da geometria, da sua neurose de estabelecer ordem (imagino que você pense que é bobo imaginar que quebrar o retângulo do quadro possa levar a alguma coisa ou conclusão, mas o corpo precisa experimentar!).

Num mundo de produtos e discursos de ordem e racionalidade, tentativas de transcendência são revigorantes entornos para fazer arte e parecem inofensivas. “As coisas estão longe de ser todas tão tangíveis e dizíveis quanto se nos pretenderia fazer crer; a maior parte dos acontecimentos é inexprimível e ocorre num espaço em que nenhuma palavra nunca pisou. Menos suscetíveis de expressão da qualquer outra coisa são as obras de arte, – seres misteriosos cuja vida perdura, ao lado da nossa, efêmera.” (Rilke)

Daí a junção de uns artistas bem interessantes sobre ser uma Igreja. Beuys me parece também apontar para isso, mas de outro modo. Pontos de origem muito diferentes. Falo de um cotidiano de ateliê porque lá as horas são como segundos, nesse último sábado pisei nele às 10.30h, saí 18.30h e não fiz tudo o que queria, enquanto outros lugares 3h parecem uma eternidade e a dor de cabeça e o estresse se apresentam logo de cara.

ALINE REIS | 3 outubro 2023