
Aguada de cinza
Imagina-se que atravessar a poética de uma artista seja fazer uma leitura direta do espaço ocupado por ela na tela, buscando os traços iguais, as mesmas manchas, a pincelada, os tons usados dessa ou daquela cor ou mesmo na diluída aguada de cinza que tanto me faz pensar em nosso tempo histórico.

A geometria parece que se esconde por entre as cores. Girando a metralhadora de signos, dá-se logo com os conceitos que podem povoar os céus do entendimento: suavidade, elegância e um quê de continuidade com alguns pintores da história da arte. Tropeçar nas referências pode enfim iluminar gestos e apreensões, mas nada é o que parece ser por muito tempo.
Onde estariam as respostas? Não nas palavras, escrevê-las em nada ajuda a perseguir o caminho para elucidação das perguntas. A Arte Contemporânea que possui várias entradas e saídas envolvendo o espectador numa miríade de percepções, e com distintos critérios a serem manipulados, a poética dos artistas passa a ser descrita e apreendida em muitas chaves de entendimento.
Se partirmos da apreensão frontal das telas que tem textura de papel, do formato que dá unidade as experimentações da artista e da palheta que constitui o núcleo duro de nossas observações teremos um início (não definitivo) para descrever a força do trabalho de Daniela Barreto.

A maestria de tocar com sutileza um mundo em que nada se constitui, nem mesmo a arte, faz com que as hesitações de passar de um ponto para um outro algo, atravessem a diluição das cores na direção de duas das pistas mais interessantes para entrever os lugares ocupados pela artista. Sem sua fala consciente, a música que toca em nossos ouvidos entrega o toque sutil de uma matéria viva (a arte) no invólucro de um tempo cinza.
ALINE REIS | 30 agosto 2023
