
Recepção
Um mestre da história da arte entrou no meu ateliê, olhou os meus trabalhos de arte e disse:
– Aline trabalha com a subjetivação!
Ele não explicitou qual o autor estava ancorando sua fala, talvez porque as várias interpretações estariam contidas naquela sentença. Desdobrar uma um conceito pode significar traçar muitos caminhos diferentes (simultâneos ou não) em relação à significação, inclusive em relações à proximidade e ao distanciamento entre muitos autores e suas temáticas.

A materialidade do campo prático de uma teoria incide diretamente nas “modalidades de partilha” entre os seus pares permeada pela história e por um certo entendimento sobre a temática que estamos diante. A recepção por uma época é condicionada também por uma episteme (o que sustenta um “regime de verdade”).Tomando o termo “exterioridade” pelos contextos sócio-históricos estabelecidos e levando em consideração que as palavras trazem um lastro epistemológico (uma escolha datada) podemos dizer que conceitos como “sujeito” e “objeto” em si já trazem “para frente” a filosofia moderna cartesiana, o que incide diretamente na formulação do discurso.
O discurso não é neutro e “sua absorção” também não. As relações que se dão entre os elementos nele contidos estão “enxarcados” de ideologia, de escolhas ontológicas que perpassam tanto a feitura quanto a recepção. Portanto, uma ida ao ateliê pode significar uma viagem a direções que vão da história da arte à epistemologia. Entrar num ateliê de mãos vazias com o senso comum é quase matar as muitas relações intrincadas nos trabalhos de arte.

Recentemente vi uma live sobre as bienais, a Documenta e a Manifesta com professoras da UFRGS e fiquei impressionada com a força das relações entre arte e política. Não que não soubesse dessa filiação, inclusive em relação ao pensamento decolonial, mas fiquei pensando na cozinha dos artistas em seus ateliês quando produzem seus trabalhos no molho das identidades e suas respectivas críticas. Aí muitas relações europeizantes subjacentes: Rancière, Benjamin, Ingarden, Mukarovsky e Gadamer.
ALINE REIS | 14 março 2023

