
Método de arranque e deslocamento
Como colecionadores de arte contemporânea que somos todos, mesmo que não possamos comprar determinada obra pelo preço, isso não significa que não fruímos com total arrombo as obras quando estão diante de nós (físico ou imageticamente). Vejo que os aficionados costumam guardar em nuvens ou mesmo nos arquivos de seus computadores todo tipo de trabalho de arte que amam com todo o fervor. Fixar a imagem como sua já se constitui num invólucro amoroso dos mais incríveis.

Um desses trabalhos que me dizem muito é o método de arranque e deslocamento. José Damasceno mostra o chão niilista dos nossos tempos decalcado das discussões que são continuamente deslocadas: arte e vida, mundo da técnica, perda dos valores eternos. Fica-se em pé andando sob uma superfície “plausível” feita de história. O traço conceitual que me compõe como matéria se sente extasiada. Só a existência do trabalho em algum lugar do mundo, já me deixa feliz.
Há outras obras do artista que me dizem muito e são queridas igualmente por existirem. Essas coisas só acontecem com os que amam a arte e dela se nutrem incessantemente. Contar isso para alguém que não vê sentido na arte como bússola do tempo histórico é perda de tempo.
A arte contemporânea espelha as perguntas, os direcionamentos, o rasgo político-ideológico dos jogos entre mercado, cultura, espírito da época econglomerado de humanos que se atracam mutuamente disputando narrativamente o que será sedimentado e celebrado. Nessa ciranda, observar é extremamente necessário.
Se a história da arte alimenta o artista, além dela também há em seu encalço a história das ideias. Damasceno não usou a pá de neve de Duchamp, nem a pá para cavoucar a terra de Beuys, embora não possamos deixar de pensar nelas. Ao destitui o instrumento que não está lá, celebra o solo de carpete dos ambientes neutros das empresas, nada mais operante e contemporâneo.
ALINE REIS | 31 janeiro 2023

