
Acolhimento
Passei a maior parte deste ano fazendo uma curadoria intitulada “Territórios Insustentáveis” que foi realizada, em novembro, no Consulado da Argentina. Portanto, foi quase um ano inteiro visitando ateliês, pensando sobre como seria uma narrativa curatorial que evidenciasse o tempo histórico, os paradigmas dominantes no circuito de arte no Brasil, as relações estéticas e teóricas entre os trabalhos escolhidos…

Refletindo sobre a minha postura profissional, compreendi que agi como uma professora exibindo toda a minha prática educacional, estabelecendo desde o início o bom trato com os artistas. Trouxe a curadoria à educação, à ética e à estética ainda muito vinculadas ao meu fazer profissional anterior.
Lendo sobre o acolhimento como um dos dispositivos que contribui para a efetivação do SUS, pude então compreender que muito da minha forma de agir estava muito mais alinhada ao acolhimento que privilegia às relações intersubjetivas do que a lógica do capital, individualista e notadamente desumana e elitista.
Na cartilha sobre o acolhimento no SUS vemos como as diretrizes ética/estética/política constitutivas dos modos de se produzir saúde estão fortemente vinculadas à dimensão da produção da vida e à indissociabilidade da produção de sujeitos que querem estar nos verbos da vida (trabalhar, viver, amar etc.) Significa dizer que a adoção de um corpo já marcado por uma preparação ética muito bem delineada se somou a uma nova prática profissional, o que ficou evidenciado na lida com os artistas, no pensar a arte contemporânea, nas escolhas dos trabalhos, na interpretação não atrelada as concepções niilistas e próximas aos abismos que tanto marcaram o século passado.
Por mais que adore e faça total sentido para mim Nietzsche, Heidegger e os seus filhos (Agamben, Flusser, Byung-Chul Han…), lidar com a matéria da arte e com os artistas me fez esquecer a conduta niilista e estabelecer relações de acolhimento.

Aline Reis | 27 dezembro 2022

