
Envolver-se
Envolver-se num empreendimento significa ter um corpo para ele. Nos últimos anos montei uma biblioteca de mais de 250 livros sobre arte contemporânea, mapeando todos os territórios, teóricos, curadores e livros de arte que pude. O intuito era não só dominar o tema, mas fazê-lo surgir entre outras aproximações como fez Warburg.

Uma grande instalação silenciosa de relações. Viver cercada desses livros em especial me proporcionou uma alegria estética muito grande. Embaralhá-lo, criar nexos, não para ilustrar pensamentos, mas como uma grande palheta de cores… São pequenos prazeres que os professores têm.

Associações, criações, colagens e um quê de concreção como forma de dar sentido aos possíveis desdobramentos curatoriais, foram se somando num processo curatorial entrelaçado de história e epistemologia.
Um professor-curador que admiro muito uma vez me disse que em vez de fazer uma tese de doutorado em arte contemporânea, eu deveria fazer uma exposição. Sábias palavras. Muitas foram as contribuições que vieram de todos os lados: cursos, leituras e um certo lugar no mundo que ocupo acabou por me dando um lugar.
Não há sobrevoo, nem expectativa, a luta curatorial que esbarra em narrativas dominantes, desviantes, nulas, entre tantas outras, quando feita por uma mulher parece quase tão imaterial e ilegítima (mesmo nos tempos atuais) que ficam todas as interrogações.
Aqui lembro da Microfísica do Poder, no qual Foucault diz: “quero dizer que em uma sociedade como a nossa, mas no fundo em qualquer sociedade, existem relações de poder múltiplas que atravessam, caracterizam e constituem o corpo social e que estas relações de poder não podem se dissociar, se estabelecer nem funcionar sem uma produção, uma acumulação, uma circulação e um funcionamento do discurso. Não há possibilidade de exercício do poder sem uma certa economia dos discursos de verdade que funcione dentro e a partir desta dupla exigência”.
ALINE REIS | 29 novembro 2022

