Releituras de grandes artistas em raras atmosferas

​De todas a inversões que podemos fazer para contornar um tema ouassunto, de todas as voltas que podemos dar ao percorrer os diferentescaminhos que vão margeando a apreensão histórica sobre algo que realmentenos interessa, a mais visível das traduções é o espaço privilegiado da arte contemporânea.

​A maneira como o artista “segura” uma questão ou como manejasensivelmente as cores, a materialidade dos recortes das coisas, a escala e oinventário das imagens que povoam nosso imaginário quase sempre rompemcom o círculo obediente de se ater as estruturas ideológicas impostas.

Releituras são revisões que se propõem trazer uma nova apreensão, talcomo a obra de David Cury, “Antônio Conselheiro não seguiu o conselho”, de2009 – 2010, na qual o revisionismo histórico se ajunta a destruição de umaarquitetura marcada por uma política brasileira que sempre mescla ideologia,religião, pobreza e injustiça social de forma explosiva. A “imagem” criada deúltima ceia antes da execução abraça a superfície fina de vidros quebradosimpróprios ao caminhar dos “homens de bem”.

​O apagamento das palavras (escritas com água num muro) naperformance de Marilá Dardot evidencia o caráter provisório do impacto dasmanchetes dos jornais mexicanos que vão se sucedendo e se desmancham àmedida que a velocidade da técnica vai nos esgotando…

Nossas releituras são frágeis diante da indigência do mundo históricocomo a obra de Ivens Machado, que havia sido uma obra pública permanenteno Largo da Carioca, no Rio de Janeiro, e agora se encontra num depósito daPrefeitura na Cidade Nova completamente abandono. Em sua dupla ausêncianão celebra nada, não é um monumento, não adere aos jardins, nem tampoucoimpede o deslocamento dos passantes, como fez Richard Serra. São trabalhosque funcionam como laboratórios de raras atmosferas.

ALINE REIS | 4 outubro 2022