
Quando o vento faz a curva
Estudar curadoria de arte contemporânea nas chaves do mercado (os desdobramentos do capitalismo) e a partir do marxismo arraigado da academia brasileira na sua vertente francesa são vetores de interpretação essenciais que incidem sobre dois paradigmas dominantes atuais: o pensamento decolonial e a discussão do antropoceno. Isso para dizer que discurso, interpretação econsenso sobre qual fenômeno será investigado e o que é mais relevante “falar”, “escrever” e “discutir” é uma produção de um tempo histórico bem determinado e com atores que legitimam o processo. Jogos de poder.

Um artista querido tem razão em dizer que quem faz curadoria acorda já num mundo que o quer devorar. É muito caro ao sistema de arte a emergência de um agente que coloque em risco um discurso dominante. Os outros curadores costumam rifá-lo antes que qualquer trabalho relevante ocorra. É um circuito que regula o tesão dos outros.
Cercar de apreensões e de carga imagética os estudiosos e os especialistas se faz necessário, porque ficam todos obedientes as regras e as falas “corretas”. Colocar em risco esse palco de acordos é dificílimo. Ficam mal vistos, etiquetados de criados de caso ou de ingênuos atores que serão eternos coadjuvantes.
Meritocracia é um termo que nem entra no vocabulário da arte. Há os herdeiros dos discursos e das coleções e por si só isso basta para preencher as lacunas e os bancos dos grupos, das instituições e dos posts do Instagram. A palavra cafona fica lá no mundo dos negócios e não habita o vocabulário dos Deuses do Olimpo.

Quase sempre o lugar do privilégio é misógeno. Ser uma artista mulher por si só é um desafio. O campo da subalternidade parece surgir imediatamente. Se for mais velha então, não faz nem cócegas. Fica-se lá num lugar de espectadora, sem nenhum recurso de incentivo ou de alguém que possa vencer a barreira dos preconceitos.
ALINE REIS | 30 agosto 2022

