
Superfície de alinhamento
Imaginando que um texto possa ser uma superfície de alinhamento para fazer conversar uma série de aspectos dos novos trabalhos de arte no mundo da técnica, muitas são as direções que podemos seguir para contemplar o assunto. A saber que essas distinções são apropriações de um certo tempo histórico, o que será daqui para frente, por mais que ainda guarde um vínculo com a tradição, inclusive com a história e com a teoria da arte, não podemos mensurar hoje.
Há sempre um elemento ainda não visto na montanha que escapa ao observador e ao viajante. Não cabe aqui fazer uma distinção entre os adoradores da técnica e os autores “pessimistas” em relação aos efeitos nocivos que ela “provoca”. Já passamos faz tempo dessa marca de adesão ao mundo virtual como acessório.

Os novos ventos virtuais nos constituem, vivemos dentro das imagens das câmeras de vigilância e o trabalho de arte tanto é imagem quanto se realizada no mundo digital. Resta saber se os smartphones que nos anestesiam, nos distraem e nos vigiam, em novos gozos no que Bifo chamou de “corpo digital zumbi”, aparentam não estar dentro de uma longa esteira de discussões sobre a arte, a imagem, a abertura ao tempo histórico…
Para além da sedução das redes, algumas considerações são necessárias: numa démarche sociológica a crítica à modernidade nos faz pensar como Achille Mbembe, se estamos também colonizados em relação às imagens que veiculamos nos dispositivos inteligentes ou se a história está suspensa como diz Michel Hardt e Antonio Nigri, devido a perda da orientação espacial e da supressão temporal o que incidiria tanto na periodização quanto na memória histórica.

Se “somos projetos para projeções alternativas objetivados” (LATOUR), se “as imagens técnicas concentrariam os interesses existenciais dos homens futuros” (FLUSSER), expressas em superfícies (fotos, filmes, vídeos, telas de computador) como programas calculados, se referências tradicionais da nossa experiência do mundo, topológica e cronológica, se realizaria “num presentismouniversal dos seus artifícios” (BALKE), numa “apropriação de materiais simbólicos” distantes “dos contextos espaço-temporais da vida cotidiana” (AUGÉ), no “novo contexto social sociotécnico”, do “paradigma da tecnologia da informação”, um “tempo intemporal”, no “limiar do eterno” (CASTELLS), a questão estaria alicerçada no fato de que o “pensamento ocidental ter sido sempre “histórico” no sentido de que concebe o mundo em linhas, ou seja, como um processo (FLUSSER).”
Não levar em conta todos esses aspectos na constituição de um trabalho de arte na era virtual é perder de vista as avaliações éticas, políticas e sociais que estão em jogo na produção da imagem.
ALINE REIS | 16 agosto 2022

