DASARTES 117 / CAPA
SHIRIN NESHAT
AS OBRAS DA ARTISTA, FOTÓGRAFA E CINEASTA IRANIANA SHIRIN NESHAT EXALAM AUTOCONFIANÇA E UMA PRESENÇA PODEROSA, MAS TAMBÉM UM AR DE VULNERABILIDADE. TEMAS CENTRAIS NA ARTE DE NESHAT SÃO IDENTIDADE, ORIGEM E ESTRUTURAS DE PODER
O trabalho da artista sediada nos EUA é agora o tema de sua primeira exposição em Munique e também em Toronto. Suas obras são definidas por uma fusão e ampliação das ricas tradições visuais da arte persa e ocidental.
Sua série de trabalhos mais recente, Land of Dreams (2019), gira em torno da caligrafia tradicional de seu país de origem, bem como do cânone ocidental do retrato, e combina pela primeira vez os meios de fotografia e vídeo em um único trabalho.

A artista persa mais importante que trabalha hoje usa escrita, expressão gestual e variedade formal para criar um compasso lírico e rítmico, com cada obra contando a própria história de experiência humana universal.
MULHERES DE ALÁ, 1993-1997
Entre 1993 e 1997, após o primeiro retorno de Neshat ao Irã desde a Revolução Islâmica de 1979, ela criou a série de fotografias intitulada Mulheres de Alá. Mínimas e cruas, as fotografias apresentam repetidamente quatro elementos simbólicos em primeiro plano: o véu, a arma, o texto e o olhar. Apesar da representação ocidental do véu como símbolo da opressão das mulheres muçulmanas, os temas em Mulheres de Alá parecem fortes e impressionantes; o véu preto é apresentado como um uniforme transformando o corpo feminino no corpo de um guerreiro – concentrado e heroico.

Untitled from Rapture, 1999. © Shirin Neshat. Courtesy the artist and Gladstone Gallery.
POSSESSED, 2001
Em seus trabalhos, Shirin Neshat abordou repetidamente a supressão da liberdade individual nas sociedades islâmicas. Isso também pode ser visto na obra em vídeo Possessed, em que uma mulher mentalmente confusa e desvelada serpenteia pelas ruas de uma cidade. A princípio, ela é ignorada pelo povo, mas quando sobe em uma espécie de palco em praça pública e levanta a voz em lamento, surge um tumulto. A multidão discute sua loucura que aparentemente transborda para os presentes. Eles perdem de vista a mulher protagonista, sem perceber que ela momentaneamente parece flutuar para longe do mundo antes de desaparecer nos becos apertados. Possessed justapõe autonomia individual e heteronomia social, bem como privacidade e esfera pública, e ao mesmo tempo levanta a questão perpetuamente atual e altamente explosiva das origens do poder religioso.

Possessed, 2001.
© Shirin Neshat. Courtesy the artist and Gladstone Gallery.
THE BOOK OF KINGS, 2012
Há revoltas políticas e lutas por poder e influência em todas as épocas. Inspirada no Movimento Verde do Irã (2009) e na Primavera Árabe (2010), Neshat criou a série fotográfica The Book of Kings, em 2012. O título se refere ao épico persa Shahnameh (trad. Livro dos Reis) do poeta Abu l-Qasem-e Ferdowsi (ca. 940-1020), em que descreve em versos as guerras dos tempos pré-islâmicos e a gênese do Império Persa. Neshat, que divide seus retratos em preto e branco em três grupos – Massas, Patriotas e Vilões–, transfere as descrições históricas de Shahnameh para corpos dos retratados. Ao mesmo tempo, há escrita caligráfica em seus rostos e mãos, baseada em textos de escritores e poetas iranianos contemporâneos. Ao colocar a mitologia tradicional em justaposição com a poesia contemporânea, Neshat alude à supra temporalidade e repetição cíclica das convulsões políticas e questiona mais uma vez a posição do indivíduo dentro do coletivo.

Possessed, 2001.
© Shirin Neshat. Courtesy the artist and Gladstone Gallery.

Stories of Martyrdom, 1994. © Shirin Neshat.
Courtesy the artist and Gladstone Gallery
THE HOME OF MY EYES, 2015
“O que significa casa para você?” Shirin Neshat fez essa pergunta às pessoas em sua série de retratos The Home of My Eyes. A obra foi criada no estado multiétnico de Azerbaijão cuja história foi inscrita na sociedade como parte do império Persa até o início do século 19 e como parte da União Soviética no século 20. O Azerbaijão de hoje representa um “caldeirão” de diversas influências culturais, etnias, línguas, religiões e tradições, onde a influência formativa da cultura persa ainda é palpável e levou Neshat a estabelecer conexões com sua própria terra natal, o Irã. E ela fez isso em The Book of Kings (2012). Nesta obra fotográfica em preto e branco, a artista também se refere a um grande histórico e literário, o erudito persa Nezami (ca. 1141-1209), que viveu no que hoje é o Azerbaijão e cujos textos Neshat escreveu em escrita caligráfica nos corpos dos retratados. Com linguagem formal estrita e encenação minimalista, Neshat une esse espectro de diversidade cultural e individual em uma tapeçaria do país.
ROJA, 2016
Shirin Neshat baseou a obra em vídeo Roja em um de seus sonhos. Roja, a protagonista, está em um teatro e assiste, emocionada, à apresentação da música The Carnival is Over, que trata de uma história de amor infeliz. Esse momento de profunda emoção é seguido por uma experiência perturbadora. Roja se sente agressivamente desafiada pela cantora em confessar publicamente que ela é uma mentirosa. Assustada, ela sai do salão e se encontra em uma paisagem árida e desértica. Uma mulher mais velha, aparentemente a própria mãe, vestida com um véu preto, aproxima-se dela de longe, mas, quando ela chega a Roja, seu rosto fica embaçado e monstruoso. De repente, ela empurra Roja, que perde o controle da realidade e lentamente levanta do chão. Esse sonho é um reflexo claro dos próprios medos de Neshat de perder sua mãe e pátria, de deslocamento e exílio. Além do desenraizamento e da solidão, o papel da arte também é tema central nessa obra de vídeo de 2016, na qual Neshat aborda seu anseio de reunificação com sua terra natal e, ao mesmo tempo, a impossibilidade disso.

From Roja Series, 2016. © Shirin Neshat.
Courtesy the artist and Gladstone Gallery.
LAND OF DREAMS, 2019
A série Land of Dreams representa um marco na obra de Neshat, pois é a primeira vez que ela se dirige ao Ocidente, nomeadamente à sua pátria adotiva no exílio, os EUA, e combina diferentes suportes: em composições preto e branco compostas por 111 fotografias e uma videoinstalação de dois canais, a protagonista Simin – o alter ego da artista – retrata a população de uma pequena cidade americana cujos sonhos ela coleciona em um caderno. Estes são então catalogados para fins de espionagem dentro de uma distópica colônia iraniana escondida dentro de uma montanha. À medida que essa sátira política e essa narrativa absurda se desenrolam, Simin descobre que os sonhos, medos e desejos das outras pessoas dificilmente diferem dos seus. Por meio das experiências oníricas, revela-se uma profundidade existencial que, para ela, desordena os contrastes culturais e políticos percebidos.

Land of dreams, 2019. (Still)
© Shirin Neshat. Courtesy the artist and
Gladstone Gallery
Judith Csiki é curadora da
BayerischeStaatsgemäldesamm
lungen e da Pinakothek der
Moderne, em Munique.
SHIRIN NESHAT: LIVING IN ONE
LAND • PINAKOTHEK DER
MODERNE • MUNIQUE •
26/11/2021 A 24/4/2022


