Natureza morta

​Para compor uma natureza morta: pegar uma toalha de mesaquadriculada, alguns vasos, colocar flores neles e frutas, dispor no chão do espaço expositivo.

​Dizer em voz alta enquanto realiza a composição da natureza morta: 

“Todas as coisas possuem ritmo quando estão umas ao lado das outras. As cores têm ritmo. Uma cor não pode anular a outra. Uma das maneiras de conceber e habitar o espaço é por meio da imaginação, a outra é no fazermesmo da ação. Experimentar o vazio. Entre as coisas que manipulamos (remanejar os vasos, as flores e as frutas buscando outras combinações visuais), enxergamos o vazio entre elas.”

Frida Kahlo

​Posso pintá-las como fizeram os exercícios bauhasianos de Josef Albersou posso olhar os objetos utensiliares separadamente (a toalha, os vasos, as flores), como se não juntos não se remetessem à natureza morta. São osnossos modos de organização espacial, temporal e da corporeidade que nos fazem habitar esse mundo (Heidegger).

Eu instalo essa natureza morta aqui nesse espaço que remete à arte e tanto o que falo quanto o que realizo remete à sutileza vazia de um jogo conceitual ou de um abismo. Contemporaneamente componho uma imagem que remete à história da arte. Quantas naturezas mortas distintas há? Se vocês forem ver, haverá Giorgio Morandi, Van Gogh, Di Cavalcanti, Cézanne, Caravaggio, Monet, Weber, Fergusson, Villon, Ilia Mashkov, Constantin Stahi, Picasso, Frida Kahlo, Aleksandra Ekster, Georges Braque, Fernand Léger, Jack Bush, Irving Penn…

ilia Mashkov

Esse exercício fiz por ocasião de um chamado de exposição: tínhamos que enviar as instruções de um trabalho de arte, realizá-lo no papel, tensionando não só “pensar geograficamente” quanto as perguntas que ficaram: quando o público deixa o espaço, o que existe ou deixa de existir? Amemória, a narrativa? Os espectadores contam para as outras pessoas o que assistiram. Narrar a poética é mais uma camada para pensar o trabalho de arte.

ALINE REIS | 14 junho 2022