
Visível
O que é produzir um trabalho de arte? Pode-se construir uma obra apropriando-se de imagens alheias e assim, ao retirá-las de seu contexto, fazer com que se perca de vista o que são e o porquê de terem sido produzidas? Na”miraculosa multiplicação do visível” (Merleau-Ponty) e na máxima “toda obra de arte pode ser editável” depois da arte moderna, pensemos nos usos dos contextosque apresentam para que possamos mostrar todo um jogo.

Do querer dizer de alguma frase ou sentença ao jogo de linguagem, do desejo da partilha da visão e do visível na produção de algo que está para além de sua própria produção, elenco apenas duas opções que podemos tensionarhoje.

Sim, Wittgenstein e na trama da arte, Duchamp, o surrealismo e a arte conceitual em todo o arco de proposições que empreenderam tantos artistas díspares. O tempo passa e nos molda, indo e vindo como as marés, os assuntos podem ser praticamente os mesmos, mas a ênfase costuma ser distinta.

Quando encaramos o tempo vem-nos a imagem da morte, da cabeça de todos os tempos que nos mutila no dia – a – dia. Somente isso? Não. As imagens que povoam nosso imaginário e a literatura que coloca um cimento potente em nossas escolhas faz “aparecer” diante de nós toda uma série de escolhas e discursos.
Exemplo que nenhuma experiência vem do nada e vai para o nada é a dor nas entranhas que senti quando vi Goya no MAM. Ali muita coisa estava em jogo!Antes mesmo de chegar perto dos quadros, já lidava com uma série de concepções sedimentadas e me debatia sobre elas. A genialidade do artista encontrou um corpo já pré-disposto a uma determinada interpretação.
Diante dos trabalhos potentes as interpretações parecem pálidas referências, mas não desaparecem. É lidar com elas sem ingenuidade. Quem sabe o que é produzir o visível compreende a dificuldade.
ALINE REIS | 10 maio 2022

