Arcabouço social

Uma das definições de cultura passa pelo arcabouço social sempre em construção pelos membros de uma sociedade. Vislumbrando a arte contemporânea como um produto cultural de nosso tempo, podemos dizer que os conteúdos gestados pelos artistas dizem respeito aos seus repertórios como classe social.

O livro de Bourdieu sobre o binômio gosto – classe dá conta de um horizonte. Como seria escrever hoje sobre as características medianas emediatizados das redes sociais?! Posso estar errada, se bem me lembro do livro, havia um modelo mais próximo à classe média europeia. Hoje estaria definitivamente enterrado na preconceituosa afirmação “classe mérdia”.

Não se trata de dizer que a “História” é feita apenas das histórias que nós contamos, mas simplesmente que a “razão das histórias” e as capacidades de agir como agentes históricos andam juntas (Rancière), portanto não podemos ser ingênuos.

Aline Reis | Maldiney | colagem | 2010

Se tomo a arte contemporânea como afirmação política, o que está em jogo são as bandeiras, tanto na produção dos artistas quanto no discurso que são veiculados. Falar sobre tal assunto é comprar briga com todo mundo, porque mexer no caldeirão das classes é por si só sair da alienação.

Explicitar o jogo social no que tange à fruição e aos atores sociais legitimados pelo sistema de arte coloca na mesa os ressentimentos, daí as vivências estarem tão em alta no circuito. Não é possível ignorar como a arte contemporânea brasileira tem sido feita disso. Proponho pensar também que para além do lastro marxista, ainda há uma modernidade no horizonte. Leio Eagleton, sem desapegar de Vattimo.

​Por que não se pode produzir discussões, interpretações, divagações sérias sem estar necessariamente nas “Igrejas” das Universidades ou nos núcleos de poder entre os curadores dos museus e das galerias de arte?

Vou tomar emprestado aqui a formulação de um estudioso de Ricouer: “Qual o lugar do sentido: a experiência ou a linguagem?” “(…) o sentido é produzido e circula tanto no plano da ação e da existência quanto no da linguagem e de suas articulações narrativas (…) a dimensão temporal da experiência humana e a atividade de narrar uma história existe uma correlação necessária e transcultural.”¹ São essas as questões que me interessam em relação à curadoria de arte contemporânea.

ALINE REIS | 8 março 2022

¹ MENDES, Breno. Filosofia da existência, existencialismo e o problema do sentido na filosofia da história de Paul Ricoeur. HHist. Historiogr., Ouro Preto, v. 13, n. 33, p. 431-465, maio-ago. 2020