Pressionar. Com que mãos?

​Leio os livros porque quero ter experiência deles. Ao segurá-los imediatamente sei que o autor vai pressionar determinados pontos daquele corpo constituir-se como algo. Hoje existem “conversas do século XXI” que não estão alinhadas com que aqui pressiono, embora eu veja em tais discussões respostas aos debates dos séculos passados. Outra coisa a dizer: contemporaneamente, se o edifício teórico é duro demais em sua constituição, ele sofre de anacronismo.

Guto Lacaz | Auditório para questões delicadas | 1989

​Por toda parte, do escultor dos jarros de barro na Obra de Arte de Heidegger à descrição da cena da insuflação da criação através do sopro e da modelagem de argila do homem por Deus de Sloterdijk, meter a mão na massa é pressionar com os dedos o informe.

​A experiência tem um quê imprescindível de colar a mão nas coisas.Mesmo que a origem não seja a fenomenologia, os olhos e as mãos dos artífices pressionam a linguagem com a mesma ferocidade com que comem ao sentir fome de arte, mesmo quando estamos discutindo os usos da arte e de suas experiências na vida pública dos cidadãos.

“O espaço torna-se algo mais do que um vazio pelo qual perambular, pontilhado, aqui e ali, de coisas perigosas e coisas que satisfazem os apetites¹.

Olafur Life 2021

​Entre o trabalho, a cultura e a linguagem, o artista “imprima ao material o projeto que tinha conscientemente em mira e constitui a lei determinante do seu modo de operar e ao qual tem de subordinar sua vontade”². A mão aqui pressiona o pensamento hegeliano. Os filósofos nos permitem pressionar a matéria da arte, envolver os trabalhos e tecer fios de conexão com a forma com a qual a fruição nos atinge, ofuscando os olhos com a beleza da experiência.

ALINE REIS | 1° março 2022

¹ Arte como experiência de John Dewey, p.90.

² MARX apud COTRIM; FERNANDES, COTRIM, Gilberto; FERNANDES, Mirna. Fundamentos de Filosofia. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 142.