
Dissecar é imperativo
É com o bisturi do anatomista que disseca órgãos e tecidos que hoje separaremos as fibras mais delicadas da arte contemporânea: imaginário, apagamento, incorporais, vigas de sustentação política de discursos. Proponho aqui dissecar algumas indagações que vejo sendo falas no senso comum…
Parafraseando o filósofo Rorty quando diz que “todas as pessoas que escrevam livros ou críticas não tem os mesmos objetivos ou as mesmas medidas e padrões”, assim são os artistas e seus trabalhos de arte. Há uma singularidade ímpar nos processos poéticos e nas intenções. O artista tem um pensamento de arte quando está criando.Você pode não acessar todo o conteúdo que está em jogo, precisa saber que a postura de esgotar tudo não é uma postura contemporânea, é uma postura moderna que quer alcançar o absoluto.

Temos que sair da visão de que tudo precisa ser necessariamente útil. Essa invasão do útil em todos os campos têm um fundo econômico, na lógica do dinheiro. A ideia de utilidade é sempre um meio para chegar ao fim para chegar a algo que você não sabe… Cadeia infinita de uma utilidade para outra utilidade. Vemos isso na propaganda, nas vendas digitais, ter um produto e trazer um outro acoplado para reforçar a própria venda.
É claro que a arte contemporânea não está fora de seu tempo histórico, então todas essas questões podem ser questões de frente de um determinado artista. Uma postura para capturar um trabalho de arte é não tomar o trabalho como um produto. Você precisa ser como uma criança com o seu brinquedo, se misturando com ele. Não que haja ingenuidade nessa relação, inclusive porque contemporaneamente o espectador é aquele que traz para dentro do trabalho do artista uma contribuição importante.
Todas as contradições estão também contidas nos trabalhos de arte, portanto a condição econômica do artista também. Ter a liberdade de criar coloca para jogo também a sua disponibilidade em ser livre, fruto muitas vezes da base material que ele tem. Aí temos a camada político-ideológica sempre presente e o circuito vive desses assuntos!
Ter a experiência do espaço expositivo é uma das formas de chegar mais próximo ao entendimento do que está sendo feito, independente da leitura dos teóricos.A arte conceitual legou essa camada teórica como um acervo necessário ao trabalho de arte contemporânea. Sabemos que a discursividade na arte contemporânea compõe trabalhos, artistas, curadorias, daí a briga pelo discurso ser tão acirrada.
Não é somente o aspecto técnico que está em jogo quando julgamos algum trabalho de arte, para além do costumeiro gostei ou não gostei, que faz parte do que chamamos fruição estética, existe uma série de decisões que o artista toma quando faz um trabalho e ele está voltado diretamente à história da arte.
ALINE REIS | 30 maio 2023

