
Superfície mulher
Contando ninguém acredita o quanto temos que fazer para vencer o critério universal homem que domina os meios da arte e da filosofia também. Uma curadoria de uma mulher com artistas mulheres traz muitos embates também, mas não na perspectiva da dominação. Quantas vezes estive em relacionamentos profissionais que se havia um homem na jogada, tínhamos que escutar pacientemente “a verdade” sobre o posicionamento do trabalho de arte no espaço, entre outras verdades que nós não víamos, ou porque ainda temos que “comer muito arroz com feijão”, porque jamais estamos prontas.
Constatações que faço, sem paixão, apenas são momentos de cansaço onde temos que mobilizar muita paciência para um paradigma que já está lá preso ao século passado. Saudade de um monte de coisas do XX, mas não exatamente da camisa de força de ficar enclausurada em ser educada, calada e prestativa. É claro que não passei para o extremo de gritar, devolver na mesma moeda ou outras condutas.

Essa cozinha feminina da arte entre nós nos dá possibilidade de tocar em superfícies que nunca podemos sentir. Erramos como todos os homens erram, partimos para outras exposições, discutimos nossos acertos, vislumbramos os silêncios que habitaram aquela expografia expositiva sem, contudo, nos sentirmos aquém.
A estratégia de dominação masculina foi escrita por Bourdieu que ficou mal na academia, inclusive sendo chamado de Bourdiezinho, Bourdieu menor, como se a temática fosse pequena, fútil, boba. A literatura hoje feminista na arte contemporânea pensa se é ainda interessante categorizar as artistas mulheres em cânones homens (em um dos meus textos escrevi sobre isso).
Aqui como continuo a escrever sobre a exposição Superfícies se Aproximam, me pareceu legítimo chamar a atenção para o fato que todas nós somos mulheres e essas apreensões de gênero fizeram parte de nossas conversas, do nosso processo de trabalho e da maneira com manejamos nossos léxicos particulares.
ALINE REIS | 16 maio 2023

