
Inferência
Trazer minha experiência para cá também é uma forma de articular os conceitos, pesquisar, movimentar um terreno que é mais do que minado. Sabemos que a discursividade na arte contemporânea compõe trabalhos, artistas, curadorias, daí a briga pelo discurso ser tão acirrada. A camada arqueológica que se sustenta impõe visualidades, domínio cognitivo e mercadológico. Não é à toa que universidade e mercado parecem estar diametralmente opostos, mas há vários algos que os unem.
Se procurarmos por um “espírito da época” talvez estejamos na esteira da inferência. Recentemente estive em uma conversa num espaço de arte e a conversa enveredou para caminhos interessantes. Um artista na plateia pergunta se o fato da artista mulher ter tido filho influenciou o seu trabalho após a experiência. Eu e a curadora fomos unânimes em afirmar que não. Como fomos criadas numa mentalidade homem, nossas referências sempre foram os artistas europeus homens ou norte-americanos.

Foi falado também se saber o gênero do artista é tão importante. Não seria mais essencial lidar apenas com a qualidade do trabalho? Um outro artista na roda dá uma resposta incrível: na arte contemporânea o aspecto técnico não é o único a ser visado. Acontece que é relevante saber sobre o artista, essa camada outra que figura na interpretação da sua relação com o mundo, do sentido do fazer faz sim com que haja compreensão. A fruição estética é uma, em seguida a história é a outra, porque deslocamos vários campos quando estamos diante da obra contemporânea ou mesmo (quase sempre) dentro dela.

Basta lembrar da obra citada por Hal Foster no Retorno do Real. Na introdução, ele mostra com uma criança ao brincar no trabalho de Robert Morris, faz aparecer o sentido deslocando o corpo: “E ali estávamos nós, um crítico e um artista bem informados sobre arte contemporânea, tomando aula de uma criança de seis anos de idade, cuja prática deixava nossa teoria muito mais atrás.”
ALINE REIS | 21 março 2023
