Corpo

​Envolvida em diversas frentes de trabalho compreendi uma coisa muito importante. Não é só dar conta de tudo, mas para cada trabalho um corpo diferente precisa aparecer. Como artista uma coisa, como curadora outra, como professora outra distinção, estudante, mesmo em cada texto precisamos sempre de uma outra solução.

Como a vida é ritmo, a necessidade de mudar tanto a música quanto oconteúdo é imprescindível, embora nossas preferências e escolhas sejam limites a serem considerados. Se antes escutava samba quando escrevia, agora parece que a única música que toca na minha cabeça é Puccini.

​Com a ópera comecei a entender o que existe entre o intervalo visual e o ritmo, se você tentar cantar junto com o(a) cantor(a) não consegue totalmente, porque há uma articulação entre a música e a palavra que escapa. A articulação da boca é uma linguagem.

​“Um poema precisa ser salvo antes que se tenha algo a dizer”, vi no Instagram e achei muito bom, é o que precisa acontecer na curadoria. Antes de a diluirmos num sistema teórico-visual prévio, façamos a proposição.

Lembro-me de uma ocasião que fui fazer cinema em São Paulo e lá o ator estava com dificuldade de compor a personagem. Quando cheguei com um sapato velho que ele iria usar, ele me disse: pronto. Eu havia dado um corpo naquele sapato marcado pelas pegadas de outrem.

​O corpo que mais me acostumei foi o da sala de aula. Minha performance passava pelo posicionamento do corpo frente aos diversos contextos que enfrentei em vinte anos de trabalho. Não era somente teatro, havia uma costura que era feita no tecido do tempo. Manipulava as palavras, as relações conceituais com aquelas pessoas naquele momento, era sempre uma costura inédita, feita para aquele momento. O sentido estava ali.

Vejo também nas fotos das joias contemporâneas da minha amiga artista Claudia Malaguti os sintomas dessas apreensões em direção aos desdobramentos e aos deslocamentos que o corpo impõe aos que amam a arte contemporânea como eu.

ALINE REIS | 31 maio 2022