“Chave de interpretação”
Sempre me pareceu estranho analisar as artes plásticas a partir da chave de leitura da literatura. Essa forma de pensar remontaria aos iluministas? Voltaire? No Brasil, essa equação ficou muito clara nas primeiras décadas do século XX quando a crítica de artes plásticas era feita por escritores que escreviam nos jornais da época.
Fôssemos nos perder na tradição diríamos que os filósofos e os escritores através dos séculos nos fizeram pensar que as demais artes deveriam se submeter à “maior” delas: a literatura.
A constituição da literatura como parâmetro e bússula do mundo circundante nos dá muito mais chão para empreender uma blindagem diante de novos mundos que ameaçam a nossa paz interior e nos organiza como um corpo mortal. “Não se escreve o que se quer” (Gustave Flaubert), não se escreve o que ainda não foi devidamente ruminado, quase caímos na tentativa atabalhoada de nos manter mais próximo ao nosso mundo…
O horizonte social é um dos primeiros que enxergamos e a tradição também nos habitua a relacionar o campo literário ao campo sociológico. A sociologia aponta todas essas relações. Reconstituir, fazer surgir (de novo) discussões filosóficas datadas (penso aqui em Thomas Mann) dotando-as de um frescor atual é quase como reviver numa carne totalmente putrificada um século anterior. Hoje a paisagem niilista é a mais bela.
Os artistas contemporâneos brasileiros esnobam a tradição, principalmente a europeia, e todo o tipo de teoria que o aprisionem em instâncias transcendentes. A literatura engajada (termo antigo) ainda serve de parâmetro mas o circuito dissimula títulos. A relação estreita entre arte e política se vê tão entrelaçada que a atitude do artista é a chave de interpretação da arte contemporânea, daí a inserção no campo das imagens e dos discursos curatoriais atrelados à antropologia visual serem o conteúdo das curadorias e dos insights de uma nova visualidade contemporânea.
ALINE REIS | 12 outubro 2021

