Semântica

Elencar desejos, ideias e provocações parece ser “a maneira mais fácil” de alcançar uma primeira “ante sala” do edifício da arte. A (des)contaminação do mundo, se familiar ou estranho, parece dar ao artista um corpo. Precisamos nos vestir ou nos despir das imagens? O que devem possuir para manter a conexão com a realidade? O que estaria contaminado? A imaginação?

A atmosfera esfumaçada e opaca desse pensamento é a forma mais visível do fog da exterioridade. As temáticas vão sendo sugeridas por gratuitidade, mas não o são. Há quem veja em todo o fundo a economia, embora  ela mesma viva das expectativas do coletivo.

Os vários tapumes que possam ser colocados entre o artista e o trabalho de arte, entre o curador e o artista, entre o público e o trabalho, entre muitos outros, são meros artifícios para ludibriar o que os lábios silenciosos sussurram: pura semântica.

Isso porque vige mais do que uma integração entre arte e vida, uma junção mais material do que formal ou existencial. Os atores sociais são convidados a passarem para outra sala muito mais própria à negociação. Qual o sentido que está em jogo? Damos excessivo acento e valor ao sentido. 

A arte contemporânea tanto alarga os horizontes quanto condiciona abordagens de recepção. Das muitas adoções que vão embotando os sentidos, talvez a maior delas hoje seja ver sempre tudo em camadas. Recentemente fiz um curso sobre um literato russo e a temática não envolvia digressões e nem perspectivas assimétricas. Um choque.

Acostuma-se a “ver” em profundidade, ao largo, de viés, em função de, sobretudo. O que é mais incrível é que ainda a obra mantenha uma integridade ímpar, mesmo que a fina abordagem da biografia queira roubá-la do seu percurso.

Ainda sólida. Ainda desmanchando. Ainda soberba.

ALINE REIS | 19 julho 2021