
Arte e Campo Científico
Venho observando nos últimos dez anos que a arte contemporânea tem acentuado a interdependência entre arte e política com um acréscimo especial: há um vínculo com o campo científico. Equivale dizer que as curadorias têm envolvido teses, enquadramentos e démarches teóricas cujo objetivo é circunscrever um campo sociológico (ou mesmo advindo da Antropologia Visual), com clara adoção de palavras como enunciados e outros para dar legitimidade ao processo histórico.
Essa constatação me veio a partir de duas experiências: uma exposição no Parque Lage, em 2018, que tinha como título “Campo”, e recentemente ao ouvir uma amiga artista falar sobre o seu trabalho de arte (esse termo também é significativo), dizendo que ainda não poderia “estabelecer o particular e o universal” nas imagens do seu vídeo.

Não tenho dúvidas de que o elo entre a arte e a política culminando em ações de artevismo são motivadas pelo marxismo no Brasil. Essa camada epistemológica depositada em nossa história assume um protagonismo que está presente nos livros curatoriais e nas exposições. Antes de ser um comentário crítico aos atores envolvidos é apenas uma constatação, sendo oportuno ressaltar outros aspectos também de natureza historiográfica na apreensão do fenômeno.

Pensando no termo “ciência normal” de Thomas Kuhn diversas são as descobertas e as invenções que coexistem numa ampla área durante um determinado momento.
Assumindo a arte como uma área da ciência (para esticarmos ainda mais o conceito) podemos ressaltar a psicanálise na dimensão curatorial brasileira como uma fonte de captura e discurso, e mais recentemente o desdobramento decolonial que vem contribuindo significadamente para postular uma ética e uma estética do reconhecimento de nossa história como país desigual, branco, elitista e de matriz européia.
A coexistência (e reciprocidade) entre as novidades factuais e teóricas são uma pré-disposição para as mudanças de paradigma. A percepção é que o empreendimento de um novo paradigma requer novos instrumentos teóricos. Autores modernos europeus já não dão mais conta da revolução operada pelo educativo que inclui também a discussão queer e o feminismo. São outros livros a serem postos em jogo.
Depois da assimilação da descoberta, abre-se o campo. Parece-me que na arte a dinâmica é inversa. Abre-se o campo e “decidimos” nos livrar daquilo que se consolidou como discurso normal, uma vez que esses vocabulários se tornam “entediantes”.
ALINE REIS | 27 abril 2021

