A 34ª Bienal de Arte de São Paulo, Faz escuro mas eu canto, (verso do poeta amazonense Thiago de Mello, publicado em 1965), não ocorreu ano passado por conta da pandemia e provavelmente acontecerá esse ano.

O intuito aqui é tecer algumas considerações sobre a poética e a metodologia usadas por Jacopo Crivelli Visconti (curador geral), Paulo Miyada (curador adjunto), Carla Zaccagnini, Francesco Stocchi e Ruth Estévez (curadores convidados) extraídas de uma live da pós da FAAP, na qual não só Paulo e Carla falaram, mas como as entendi dentro de um contexto maior de estudos curatoriais nos quais me interesso.

A concepção e construção dessa Bienal constrói um enunciado, muito mais que um título, como forma de tensionar o diapasão dentro e fora da instituição para poder cantar num tempo no qual “o breu que nos cerca foi se adensando: dos incêndios na Amazônia que escureceram o dia em São Paulo aos lutos e reclusões gerados pela pandemia e as decorrentes crises políticas, sociais e econômicas” e reivindicam “ao mesmo tempo o direito à opacidade, tanto das expressões da arte quanto das identidades de sujeitos e grupos sociais. Não precisamos entender tudo, nem nos entender todos, trata-se de falar nossa língua sabendo que há coisas que outros idiomas nomeiam e nós não sabemos dizer”.
Os enunciados funcionam por entre as escolhas dos objetos: um sino que ecoou na noite em que Tiradentes morreu em 1792 e que em 1960 foi levado à Brasília por Juscelino ou no retrato de Frederick Douglas, abolicionista, estadista e escritor estadunidense, mais retratado que Abraham Lincoln em sua época, entre outros.
A urdidura dessas redes traçam outras apreensões com a obra como se funcionassem como índice de trabalho. O exemplo dado pela curadoria é a obra de Antonio Dias ao lado do sino. De todas as camadas acrescentadas ao discurso curatorial é significativo a relação que querem alcançar com o entorno expositivo da Cidade, não só ampliando os significados dos objetos e das obras como relacionando-os às demais exposições que são visitadas pelos mesmos atores sociais que visitam à Bienal. Trata-se de ampliar a rede conceitual numa rede remissa que englobe arquitetura, campo expandido e crítica política. Para tanto, utilizam como referencial teórico Édouard Glissant, Eduardo Viveiro de Castro e Thiago de Mello.
Ressoa na experiência da arte um gosto amargo da história colonial brasileira, na maneira como os povos escravizados tocavam os sinos das igrejas mineiras, na posição de um tempo de opacidade, niilista, afeito ao intempestivo contemporâneo que ainda europeu entrelaça a pouca intimidade entre a Bienal e o seu público.
ALINE REIS | 16 março 2021


Genial a rede que relata embasada em fatos históricos. Parabéns. um delicia de ler.