Mulheres mortas para si e para os seus próprios desejos

Bem que a artista Mierle Laderman Ukeles havia dito nos anos 70: “Eu descobri que Jackson [Pollock], Marcel [Duchamp] e Mark [Rothko] não trocavam fraldas”. E ainda continua: “(…) tentando me manter viva enquanto artista, tentando fazer algum dinheiro. Eu estava trabalhando como uma louca. Mas não havia palavras na cultura que dessem valor ao trabalho que eu estava realizando”. “Eu sou uma artista. Eu sou uma mulher. Eu sou uma esposa. Eu sou uma mãe. (Ordem aleatória). Eu faço um monte de lavagem, limpeza, cozinho, renovo, preservo etc. Também, até agora, separadamente, eu “faço” arte. Agora, eu vou simplesmente fazer essas tarefas de manutenção diárias e trazê-las à consciência, exibindo-as como arte […] MEU TRABALHO SERÁ O TRABALHO (Mierle Ukeles, 1969)”

​Muitas são as leituras interessantes para falar como as artistas mulheres precisam lidar o tempo todo com todo tipo de impedimento e constrangimento. E muitas foram as representações feitas com imagens da morte ou mesmo numa nudez objetificante. Nada mais simbólico.

​Ainda encontro vestígios dessa percepção na política que fazem outras mulheres identificadas com a relação senhor-escravo (Hegel), nos discursos misóginos dos homens no circuito de arte, das regras do mercado… Tudo é significativo, inclusive quanto apontam a idade das artistas. 

Não sou uma dona de casa, não sei como ser uma, me dediquei a estudar e a lecionar como “questões de frente”. Nem mesmo quando entrei no mestrado, em 1994, quando me perguntaram se queria falar sobre Simone de Beauvoir, em vez de Sartre, não consegui me reconhecer como mulher. Vivia numa bolha na qual não sentia a discriminação, a inveja intelectual e a separação muito vívida dos papéis a serem desempenhados na sociedade. Nada mais palpável quanto o véu da ideologia vai sendo retirado com o passar dos anos.

ALINE REIS | 22 novembro 22