
Inversamente complementar¹
Assistindo ao Roda Viva com a escritora Chimamanda Ngozi Adichie percebi que a arte precisa ser tratada de outra forma. Esperava encontrar uma ativista instrumentalizada com jargões acadêmicos feministas, decoloniais, negros, esperava encontrar Judith Butler e o que encontrei me desarmou. Isso porque já tinha antecipado, futurizado o horizonte das discussões que ela iria abordar, tão motivada que estava de saber o que ela iria dizer para relacionar imediatamente às discussões do circuito de arte contemporânea brasileiro.
Presa a isso vi embaralhar topologicamente as imagens da arte num movimento de afastamento. O que me trouxe para mais perto foi a maneira como ela trata a literatura. Me fez lembrar Juliano Pessanha quando fala do regime de intimidade que só os bons encontros nos dão… Antes de teorizar, vive-se, assenta-se naquele espaço e faz surgir. A experiência da arte é dessa ordem.
Procurei aqui trazer contribuições para a leitura das discussões feitas no circuito e agora a autora me deixou sem palavras. Imagino que tenha frustrado as ativistas em suas respostas, dizem que tal situação foi engendrada pelo próprio programa em relação à linha editorial, mas tal deslocamento não inviabiliza nem a força da autora nem as posições que ela assume.
Depois de Chimamanda, revi o Instagram e tudo nele me pareceu militância. Não que a militância não tenha valor, só que não consegui ver os trabalhos de arte que aparecem tamanha a importância dada aos discursos, às hipóteses, ao regime da novidade, as disposições do capital e aos exercícios diários de inventar a pólvora todo dia. É o que os grandes escritores fazem conosco: produzem silêncio.
ALINE REIS | 22 junho 2021
¹Inversamente complementar é uma provocação. Uma tentativa de avesso que provocaria um curto circuito temporário para admitir que as pessoas podem nos surpreender e fazer com que saiamos das velhas posições.

Chimamanda Ngozi Adichie
… é uma feminista e escritora nigeriana. Ela é reconhecida como uma das mais importantes jovens autoras anglófonas de sucesso, atraindo uma nova geração de leitores de literatura africana.
