Semana de 22: obras do catálogo para mergulhar no modernismo brasileiro

Ao longo de seus 35 anos, completados meses antes do centenário da Semana de Arte Moderna, a Companhia das Letras tem destacado o movimento modernista através da publicação de várias obras de seus protagonistas, além de um consistente conjunto de ensaios críticos. Neste ano recheado de lançamentos sobre a Semana, vale a pena revisitar os principais livros do catálogo que abarcam as vanguardas nacionais da época e suas produções revolucionárias.

Um título publicado no 90º aniversário da Semana, em 2012, pode ser um ótimo ponto de partida para a imersão no universo modernista. Em 1922: a semana que não terminouMarcos Augusto Gonçalves realiza uma crônica minuciosa das três récitas do festival vanguardista que sacudiu o Theatro Municipal de São Paulo entre 13 e 17 de fevereiro daquele ano. 

No entanto, para compreender o alcance e as repercussões das inovações estéticas deflagradas pelo primeiro modernismo, também é possível começar pelo contato direto com as maiores vozes literárias da época.

A publicação das obras completas de Oswald de Andrade (1890-1954) pelo Grupo Companhia das Letras se iniciou em 2016, com Memórias sentimentais de João Miramar (1933). Ao lado de Serafim Ponte Grande, esse romance experimental constitui o ponto alto da prosa oswaldiana. Um ano depois saíram O rei da vela (1937), peça fundamental do teatro moderno no Brasil, e as Poesias reunidas. Seguiram-se Primeiro caderno do aluno de poesia (1927), em edição facsimilar, e o primeiro volume de Um homem sem profissão (1954), no qual Oswald rememora os primeiros trinta anos de sua agitada biografia. Entrementes, em 2017, o selo Penguin-Companhia lançou a coletânea Manifesto Antropófago e outros textos, da coleção Grandes Ideias, com quatro momentos polêmicos do projeto estético-cultural do escritor paulistano.

O experimentalismo formal e a irreverência da primeira fase do modernismo estão sintetizados em Macunaíma, de Mário de Andrade (1893-1945). Com novo estabelecimento de texto, a edição foi publicada na coleção de clássicos do selo Penguin-Companhia, em 2016. Já a correspondência do escritor com Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), reunida por Pedro Meira Monteirono livro lançado em 2012, proporciona uma visada panorâmica sobre os anos decisivos do modernismo no Brasil. 

Outros pioneiros do movimento também estão bem representados no catálogo da Companhia. Patrícia Galvão, a Pagu (1910-1962), estabeleceu um novo paradigma para a presença feminina na literatura brasileira — como demonstram sua Autobiografia precoce, escrita em 1940 depois de sua 23ª prisão por militância política, e a coletânea Pagu: vida-obra (2014), organizada por Augusto de Campos.

Paulo Prado (1869-1943), maior financiador da Semana, aparece com o clássico Retrato do Brasil (1928), uma interpretação pessimista da história do país, que fustiga o ufanismo e expõe as mazelas nacionais. À margem do mainstream modernista, Pedro Nava testemunhou a eclosão do movimento quando residia em Belo Horizonte. Então estudante de medicina, o jovem Nava manteve contato com boa parte da intelligentsia vanguardista da época, evocada em Beira-Mar (1978), quarto volume de suas memórias.

Na vertente biográfica, destaca-se De olho em Mário de Andrade (2012), de André Botelho, que comprova a íntima conexão entre a vida e a obra do criador de Macunaíma. Embora seja uma ficção livremente criada por José Roberto Walker a partir de pessoas e acontecimentos reais, e não um relato biográfico, Neve na manhã de São Paulo (2017) recria a São Paulo pré-moderna nos anos que antecederam a Semana, quando Oswald de Andrade e seus amigos formaram um esfuziante cenáculo boêmio na rua Líbero Badaró.

A cidade também é protagonista em A capital da vertigem (Objetiva, 2015). No livro, Roberto Pompeu de Toledo perfaz um abrangente painel histórico da metrópole no começo do século XX, útil para o entendimento dos fatores sociais, econômicos e culturais que tornaram possível o advento do modernismo paulista.

A onipresença de São Paulo e dos paulistas nos estudos sobre a Semana é contrabalançada por Ruy Castro em Metrópole à beira-mar (2019), saborosa crônica histórica do Rio de Janeiro moderno na década de 1920, onde se gestaram muitas inovações vanguardistas apropriadas pelo festival paulistano de 1922. 

Para situar o modernismo literário, pictórico e musical derivado da Semana em relação às vanguardas internacionais que o influenciaram, ou às quais se contrapôs, três ensaios de fôlego também podem guiar o roteiro de interpretação comparativa: Conceitos da arte moderna (Zahar, 1991), de Nikos Stangos; 22: constelação de gênios (Objetiva, 2014), de Kevin Jackson e Fervor das vanguardas (2013), de Jorge Schwartz.

A sisudez dos ensaios críticos encontra um alegre contraponto em dois livros infanto-juvenis: O anel mágico da Tia Tarsila (Companhia das Letrinhas, 2011), de Tarsila do Amaral, sobrinha da pintora, e O Mário que não é de Andrade (Companhia das Letrinhas, 2001), de Luciana Sandroni.

Fechando simbolicamente o roteiro modernista através do catálogo do Grupo Companhia das Letras, a influência duradoura dos desdobramentos da Semana de Arte Moderna na arte brasileira pode ser sentida em Antropofagia (2012), excerto de Verdade tropical em que Caetano Velosoesmiúça as conexões do tropicalismo com a estética antropofágica de Oswald de Andrade.