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Trabalha como fotógrafo documentarista e desenvolve projetos autorais no campo da arte contemporânea. Acredita na fotografia como forma de expressão ativista e crítica, daí sua busca em estabelecer um diálogo entre fotografia e questões sociais, sobretudo no que diz respeito ao olhar sobre a cidade.

ANOMIA / URBS_OPSIS

Na origem de seu significado o termo anomia era o desvio ou a violação das leis naturais ou desobediência às leis divinas, que levavam a desorganização e a catástrofe. A sociologia entende como um estado social onde os padrões normativos de conduta e de crença desaparecem, resultando em uma individualidade extrema que desestrutura as normas e os grupos sociais como um vírus.
A palavra crise tem origem na medicina grega, adotada por médicos para explicar o estado de colapso no corpo humano, mais tarde, o termo original, começou a ser usado como metáfora para explicar acontecimentos cíclicos que atingiam a economia e a própria sociedade dentro do modo sistêmico do capitalismo.

“O TECIDO DO PROGRESSO É FEITO DE SOFRIMENTO REAL, QUE NÃO DIMINUI NA PROPORÇÃO DO AUMENTO DOS MEIOS PARA SUPRIMI-LO” ADORNO


Para o filósofo Theodore Adorno, um crítico da degradação gerada pelo capitalismo e um dos autores mais perspicazes em entender o século XX, pela primeira vez a humanidade teve noção da possibilidade do fim do mundo, com as guerras, os campos de concentração e a bomba nuclear. “Eu vi o espírito do mundo, mas não a cavalo: vi-o nas asas de um míssil”. Mesmo afastado o perigo eminente de um holocausto nuclear, continuamos ameaçando a vida no planeta.

Toda história da humanidade até o início do século XX teria sido, mais ou menos, constituída de 7 bilhões de seres humanos. Nós ao final do século XX e início do XXI, temos 7 bilhões habitantes na Terra, é como se todos os indivíduos nascidos nos milhares de anos de nossa história estivessem vivendo ao mesmo tempo agora. Também nunca se viveu tanto, a média de expectativa do mundo gira em torno de 66,5 anos. em países desenvolvidos como o Japão chega a 87 anos, mas nem por isso somos capazes de extrair um átomo de conceito de felicidade. viver mais e com mais pessoas não nos tornou pessoas mais felizes e mais livres.
Somos uma massa de seres cobrindo quase todos os cantos do planeta, vivendo mais tempo, consumindo recursos e acumulando resíduos em um ritmo insustentável.

Então, como pensar o mundo sabendo que somos o vírus que adoece seu hospedeiro?

O DINHEIRO É MAIS LIVRE QUE AS PESSOAS. AS PESSOAS ESTÃO A SERVIÇO DAS COISAS. EDUARDO GALEANO

O projeto Anomia nasceu desse questionamento e de um sentimento profundo de desânimo com o futuro. Ganhou uma nova motivação com o crime ambiental da mineradora Samarco, que devastou comunidades inteiras em Mariana, matando moradores e o Rio Doce na maior tragédia ecológica do país. Com esse trabalho quero falar de excesso e acumulação, entre outros sintomas da vida dentro do sistema capitalista, no qual o consumo é estruturador de valores e define identidades.

O ESPETÁCULO É O CAPITAL EM TAL GRAU DE ACUMULAÇÃO QUE SE TORNA IMAGEM” DEBORD

Desde 2012 venho produzindo documentações fotográficas sobre as lutas pelo direito à cidade. Recentemente voltei a esses arquivos com a intenção de ressignificar as imagens produzidas e construindo, com elas, paisagens políticas e sociais que dessem conta de contar a história de uma cidade em disputa.
As paisagens construídas para o projeto Anomia são como mostras de tecidos doentes. Cada imagem é como uma lâmina, a biopsia visual de um colapso. Nessas construções, além de fotos produzidas por mim, me apropriei de fragmentos de imagens feitas por outros artistas e fotógrafos, muitos sem autoria possível de identificar, já que além das capturadas em exposições e livros, muitas foram feitas durante caminhadas pelas ruas da cidade como intervenções urbanas e material de propaganda.
Ainda usando a metáfora das paisagens como tecidos doentes, identifico no DNA delas todos os artistas e fotógrafos que me influenciaram ou que tiveram partes de suas obras integradas no ensaio Anomia. Utilizando da apropriação de fragmentos da obra de outros, quero falar das influências que carrego e de como moldaram a minha sensibilidade e a maneira que leio o mundo.

FAVELICIDADE

vídeo com duração de 4:12 seg que mostra um teaser do Favelicidade

O Rio de Janeiro conta hoje com 763 favelas, territórios de resistência e forte potência cultural. São quase 2 milhões de pessoas que se organizam solidariamente de forma criativa, mas estigmatizadas e segregadas pelos valores impostos pela sociedade vigente. Favelicidade é um projeto de Luiz Baltar iniciado em 2009 que trata do direito à moradia e outras complexas questões enfrentadas no espaço urbano carioca. Une narrativa visual e poesia. Fotógrafo engajado com as causas sociais que o cercam, Baltar desloca suas inquietações para espaços periféricos da cidade, sem se prender a estereótipos mais fáceis de serem aprisionados pelos sentidos. Ao abrir lugar para ver o outro, democratiza o seu olhar convidando os espectadores a compartilhar tais experiências. Sua documentação autoral expandida do cotidiano dialoga com o universo poético, potencializando sua motivação e a realidade retratada.

Fotografamos para conhecer o outro e nesse processo acabamos por nos reconhecer.
FAVELICIDADE é um projeto de fotolivro que apresenta o resultado de uma documentação autoral iniciada em 2009, sobre direito à moradia e às relações Favela x Cidade. Inspirado no livro MALDICIDADE do fotógrafo Miguel Rio Branco, FAVELICIDADE pretende diversificar a produção imagética sobre as favelas, até hoje dominada por uma representação que estigmatiza e discrimina esses territórios populares e seus moradores. Ao trazer registros do dia-a-dia dessas comunidades para o campo da fotografia contemporânea e da documentação expandida, FAVELICIDADE apresenta os territórios populares como lugares de resistência e potência que influenciam a cultura urbana e a própria cidade. Procura desconstruir uma história única feita de narrativas que marcaram as favelas e seus moradores, colocando-os no lugar do “outro”, do estranho, do ameaçador. A escolha das imagens que entrarão no livro será realizada através de um processo de edição coletiva, contando com a colaboração dos fotografados – os protagonistas desse livro.

LUIZ BALTAR: Formado em gravura pela Escola de Belas Artes/UFRJ, fotografia pela Escola de Fotógrafos Populares/Imagens do Povo, pós-graduado
em fotografia e imagens pela Universidade Cândido Mendes e Mestrando em Linguagens Visuais pelo PPGAV / EBA / UFRJ. Trabalha como fotógrafo documentarista e desenvolve projetos autorais no campo da arte contemporânea. Foi vencedor do Prêmio Fundação Conrado Wessel e Prêmio Brasil Fotografia (2016). Realizou as exposições Fluxos (Espaço Cultural Porto Seguro/SP); Tudo é passageiro, curadoria Milton Guran (Galeria Oriente/RJ); Linguagens do Corpo Carioca, curadoria Paulo Herkenhoff e Milton Guran (coletiva, Museu de Arte do Rio-MAR); Imagens da Escuridão e da Resistência (Museu de Arte Moderna/RJ, 2014). Participou, ainda, do ARTE PARA; e recebeu o Prêmio FotoRio – Leitura de Portfólio (2015). Incorpora as coleções do Museu de Arte Moderna/RJ, Museu de Arte do Rio (MAR), Espaço Cultural Porto Seguro, Joaquim Paiva e Maison Européene de la Photographie (Paris).